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CPI DA PREVIDÊNCIA: A REFORMA DESUMANA

Reprodução da fala do Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, Jayme Martins de Oliveira Neto durante CPI da Previdência ocorrida na segunda-feira (05/06/2017).
Jayme Martins de Oliveira Neto/Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB - Reprodução TV Senado

O SR. JAYME MARTINS DE OLIVEIRA NETO – Obrigado, Sr. Presidente, Senador Paulo Paim.

Senador Hélio José, com quem estivemos recentemente numa reunião com a Bancada toda daqui do Distrito Federal, Senadores presentes, eu cumprimento, na pessoa do Presidente, os demais integrantes da Mesa, colegas nossos, muitos dos quais estão comigo aqui na Frentas, a Frente Associativa, trabalhando intensamente contra essa reforma que nós temos chamado de desumana. Essa tem sido a expressão que frequentemente temos utilizado, seja porque é uma reforma em que se procura estabelecer uma guerra sistemática entre números desconsiderando que atrás deles existe um povo, o povo brasileiro, que sofre, sofre demais, e que fica indignado na medida em que percebe, assistindo ao noticiário, que hoje têm sido frequentes valores desviados em volumes assustadores e nunca antes imaginados... Ainda ontem uma reportagem que eu via falava em R$300 bilhões desviados só em obras – uma matéria que saiu ontem à noite, no Fantástico –, só em obras não concluídas e desvios financeiros de obras.

Então, o País vive nesse constante conflito entre aqueles que estão trabalhando, e eu me refiro a toda a classe trabalhadora, privada e pública, servidores e brasileiros de modo geral que trabalham, que contribuem, que pagam seus impostos e, ao mesmo tempo, têm, sistematicamente, subtraídos os seus direitos básicos, direitos básicos à educação, direitos básicos como o transporte e direito a uma aposentadoria digna, a uma aposentadoria que lhe garanta a subsistência.

Eu chamei de desumana porque a proposta que foi enviada pelo Governo já era por demais ruim. O texto que foi apresentado depois conseguiu a proeza de piorá-lo, algo que ninguém imaginava, porque, normalmente, o que ocorre é que um texto ruim é aperfeiçoado, porque a Casa Legislativa, normalmente, recebendo, portanto, outras informações, seja do setor privado, seja do setor público, tende a melhorar o texto. Mas ele piorou. Piorou demais, e, inclusive, é objeto de um dos questionamentos que depois nós vamos enviar para a Mesa mostrando o quanto piorou. E isso deixou a população ainda mais intranquila, Senador Paulo Paim, porque... Eu fico pensando nas pensões, na questão acidentária... Hoje, pelo menos no serviço público, em boa parte dele

Hoje, pelo menos no serviço público, em boa parte dele, depois das últimas emendas, diante de um acidente de trabalho há possibilidade de você receber, no sistema atual, uma aposentadoria, um benefício previdenciário que lhe garanta um mínimo de subsistência. No projeto, não é possível, não é possível isso! Se um jovem, seja magistrado, seja promotor, um jovem servidor público for acidentado, ele provavelmente terá que viver com a ajuda de terceiros, de familiares, se os tiver, porque, do contrário, viverá com muita dificuldade. Para não dizer o que estão fazendo com a pensão, não só com a impossibilidade de acumulação, mas também qualquer um que se colocar disposto a fazer cálculos e projetar o futuro, a sua ausência, um casal de servidores públicos, por exemplo, vai enfrentar situações não imaginadas depois de ter prestado serviços por longos e longos anos ao Estado. E o servidor público tem sido colocado como o grande vilão. Esse é um discurso fácil, é um discurso que o Governo tem usado muito de maneira, a meu juízo, irresponsável, porque ignora, primeiro, a realidade do serviço púbico e, na sequência, procura colocar o servidor como o grande vilão quando ele sabe que não é assim. O que ocorre é que com as últimas reformas da previdência o país avançou bastante e melhorou o sistema previdenciário. Eu posso dizer, por exemplo, pela magistratura, que desde a última reforma, em 2003, já não há mais aquela situação que antes existia na magistratura, que veio da Constituição de 1988 e que colocava a magistratura com algumas características próprias da função, mas elas foram sendo dissipadas ao longo do tempo. Mas quando chegou em 2003, toda a magistratura nova, com a regulamentação que ocorreu em 2013, está no Regime Geral da Previdência. Um jovem candidato a um concurso de magistratura hoje, ele talvez não tenha a noção de que depois, lá na frente, quando ele for se aposentar, ele vai ter que se aposentar pelo Regime Geral, o que vai lhe dar uma queda extraordinária na receita. Mas há uma característica nisso e que é importante, ou seja, ele pelo menos sabe disso, ele pelo menos pode escolher se ele quer fazer isso e se ele assim o fizer ele pode, portanto, caminhar para um regime de complementação, seja uma complementação privada, seja uma complementação pública. Ele tem essa opção. Hoje quem for prestar um concurso para a magistratura tem que saber disso. Nós quando ainda estávamos lá em São Paulo, na Associação, quando recebíamos uma turma nova de juízes, nós fazíamos uma reunião específica para tratar com eles dos sistema previdenciário e alertá-los no sentido de que eles tinham, a partir daquele instante, que fazer as suas escolas, ou por um regime privado ou por um regime público.

Agora, o que se está fazendo, e por isso eu insisto que ela é desumana, é alcançando as pessoas que estão no meio do caminho, que não viveram essa realidade, que não vivenciaram essa realidade, que não tiveram a oportunidade de se prepararem nem de fazerem as escolhas, porque a escolha foi feita quando o sistema previdenciário era bem outro. Os que entraram antes de 2003, antes de 1998, fizeram uma outra escolha e era uma escolha por uma carreira que tinha uma conformação e eles estão

E era uma escolha por uma carreira que tinha uma conformação, e eles estão destruindo a carreira da magistratura por completo, de fio a pavio. E a reforma da previdência é só um dos últimos golpes contra essa carreira.

Mas eu digo, especialmente com relação àqueles que estão no miolo ou próximos da aposentadoria: todos eles, com a última reforma que aconteceu, já foram abrangidos por um regime de transição. E estão cumprindo esse regime de transição. Já foram por duas vezes alcançados por pedágios, e isso eles estão cumprindo. Não me parece razoável que o País vivencie de tempos e tempos, a cada cinco ou dez anos, uma reforma da previdência, gerando apenas instabilidade – instabilidade permanente.

Por isso, a gente tinha defendido e vem defendendo que a reforma deveria ocorrer daqui para a frente. Deveria se estabelecer idades para serem cumpridas daqui para a frente, porque as pessoas estão no regime já de transição, já não se aposentam como antes, se era possível, e que também não era bom, com 40 anos, 42 anos, 45 anos. Hoje, ninguém vai se aposentar com menos de 55 anos, esses que estão no regime de transição, porque os novos, posteriores a 2003, nem isso. Já estão todos lá na regra que já está na Constituição, que é de 60 anos. O Regime Constitucional hoje já prevê para homem 65 e 60 para as mulheres. E o Governo só quer subir agora para 65 anos, o que nós temos defendido que poderia ocorrer daqui para a frente, para os novos ingressantes no sistema.

Quando se vai analisar o déficit, então... E aí eu acho que é muito importante o trabalho desta CPI e, por isso, eu peço tanto ao Senador Hélio José, com quem já conversamos, quanto ao Senador Paulo Paim e aos demais da Casa que se atentem, porque a guerra de números que o Governo vem fazendo também induz de maneira equivocada a população. Primeiro, o Governo colocou isso como se fosse fundamental para a sua sobrevivência econômica, e não é verdade. Se vocês olhares pelo menos o que diz respeito ao déficit urbano, nós vivenciamos sete anos de superávit, mais de R$100 bilhões de superávit, para agora um déficit em 2016 em torno de R$100 bilhões, no total, entre o urbano e o rural.

Só que o problema, o grande nó da questão está lá no rural, no que diz respeito ao regime geral, porque você não tem arrecadação, a arrecadação gira em torno de R$8 bilhões, para uma renúncia fiscal em torno de R$7 bilhões e para despesas em torno de R$100 bilhões, só no âmbito fiscal. Então, o grande nó da questão está lá na questão da aposentadoria rural, que precisa ser enfrentada, conhecendo-se melhor os números que o Governo tem para apresentar.

Enquanto na aposentadoria urbana do regime geral nós tivemos sete anos de superávit, mais de cem em números nominais, R$109 bilhões, segundo dados que o próprio Governo ofereceu. Mas esses dados que o Governo oferece, quando ele fala que nós tivemos um superávit superior a 56% no ano passado, só mesmo levando em conta a desvinculação de receita, porque, se os benefícios subiram 6% e a receita caiu 6%, para chegar em 56% mais ou menos, que foi o déficit apresentado, só mesmo considerando a desvinculação das receitas.

Ouvi um professor da FGV dizendo: "Não, não adianta argumentar com as desvinculações, porque no final das contas o Governo é que vai sempre ter que pagar." E isso é de uma maldade, porque o Governo faz a desvinculação para apresentar o déficit. Ainda que ele tenha que lá na frente suportar, ele apresenta

Ainda que ele tenha que lá na frente suportar, mas ele apresenta um resultado do qual ele tirou 30% – era 20, agora é 30 –, ele retira 30 e apresenta um déficit, portanto, ainda maior do sistema que ele mesmo causou. Então, tudo isso deixa a população, de modo geral, bastante indignada, seja porque não se consegue mostrar os números de maneira adequada...

Nós tivemos uma reunião a questão de 90 dias, um pouco menos talvez, com o Presidente do Tribunal de Contas, em que se solicitava uma auditoria nas contas da Previdência. Ele disse que ia fazer e não sei a quantas anda essa situação. Eu acho que não está sendo feito, e isso era fundamental. Por quê? Porque, para se fazer uma nova reforma da previdência, nos moldes em que se está propondo, da maneira como se está propondo fazer, somente conhecendo a realidade.

A própria reforma da previdência não trata de algo muito importante que é a questão da gestão do sistema previdenciário, mas está subentendido ali e é fácil compreender que se quer levar o País para o regime da previdência privada. Isso é de interesse, e eu respeito os interesses, mas isso tem que ficar claro. Nós estamos jogando o brasileiro no sistema da previdência privada bancária, porque até mesmo os sistemas públicos serão privatizados ou poderão ser privatizados. O Estado, então, estaria se retirando e deixando de dar as garantias necessárias para o brasileiro. Quer dizer, o nosso modelo, que, historicamente, segue um padrão e vem se aperfeiçoando, agora o que o Governo tenta fazer, no nosso ponto de vista, é subverter totalmente o sistema e colocar todo brasileiro no sistema de regime previdenciário privado, na previdência complementar privada. É isso que, em último caso, se está pretendendo fazer. Não tenho nenhuma dúvida com relação a isso. O próprio texto vai caminhando para isso. Mas ele vai atingindo também outras situações. Eu vejo alguns aposentados: "Eu já tenho meu direito adquirido". Eu falo: "Leia bem, olhe bem o texto", porque eventual pensionista vai sofrer. Estão mexendo até no que a gente chama de pé na cova, aquele abono de permanência que se conquista, já chamado de pé na cova. Até nisso, uma mudança pequena de redação possibilita que, no futuro, esse abono de permanência seja reduzido do que hoje é integralidade.

O Brasil já conseguiu fazer uma proeza que só mesmo terras brasileiras conseguem ver: é fazer aposentado pagar previdência. Isso, infelizmente, foi uma decisão do Supremo e se cumpre, há uma PEC nesta Casa, salvo engano, é a 555 – não sei se nesta Casa ou na Câmara –, que tenta reverter esse quadro, porque é aquela contribuição obrigatória para algo que você jamais vai receber. Por um lado, nós sustentamos o regime contributivo, nós estamos contribuindo para receber algo no futuro, mas tem gente contribuindo e não vai receber nunca nada. Mas os aposentados são sempre, e a gente sabe disso...

vai receber nunca nada, mas os aposentados são sempre, e a gente sabe disso, tanto o Guilherme aqui quanto o Veloso, na Ajufe, e isso a gente falando da magistratura, mas serve para o Brasil inteiro. E eu tenho participado quinzenalmente de reuniões com o Deputado Arnaldo Faria de Sá, que também é um grande defensor lá na Câmara dos Aposentados e na Previdência. Nós sabemos o quanto os aposentados neste País são desprezados, são ignorados. Acho que, pior do que eles, só pensionistas. Para sofrer mais do que aposentados, só pensionistas.

Mas, então, Senador, o que a gente gostaria de deixar aqui de maneira muito clara e, depois, até fazendo algumas referências, mas falo na segunda parte sobre os questionamentos, que depois nós vamos mandar por escrito. O comparativo que nós estamos fazendo do texto do Relator com relação ao texto do Governo impressiona negativamente pelas grandes dificuldades que nós temos.

Mas eu dizia da importância de se fazer uma auditoria nas contas da previdência. Eu acho que nós não podemos permitir que a reforma da previdência avance, em hipótese alguma, sem que as contas sejam abertas, sem que esses números sejam mostrados e auditados. Daí a importância de uma CPI como esta, porque esses números precisam vir. E o que aconteceu com o dinheiro da previdência, quanto se está tirando e quais são as garantias para o futuro de que esses valores não serão retirados. Isso é fundamental. Sem isso, nós não teremos a menor condição de avançar, de fazer uma reforma, que, se tiver que ser feita, seja minimamente digna. Digna de um País que tanto maltrata seu povo, digna de um País que tem, seja por sonegação fiscal, por desoneração, que em geral alcançam os conglomerados mais fortes, seja pelo combate a esses grandes devedores. Eu vi que vários aqui virão participar dessa audiência.

Há muito dinheiro para ser recolhido na previdência, seja pela necessidade de uma gestão minimamente profissional e organizada do sistema previdenciário. Porque não pode, nós sabemos disso, não é novidade nenhuma o que eu estou falando, que o dinheiro da previdência já foi usado para "n" atividades, para "n" atividades que não dizem com previdência. Para não dizer também do problema da assistência social, que faz parte desse grande conceito, mas que evidentemente não pode ser colocado à conta de déficit da previdência.

Então, com essas observações, Senador, que são apenas de caráter aí, não são de caráter técnico no sentido estrito porque nós já fizemos a manifestação. A AMB tem uma posição muito dura com relação à reforma, e não só com relação aos magistrados, nossa posição é com relação à reforma como um todo porque a entendemos nociva ao Brasil e aos brasileiros. E não é apenas nociva à magistratura ou ao Ministério Público, que está aqui. É uma reforma que modifica completamente o sistema, destrói os melhores conceitos básicos, destrói os princípios sociais da Constituição e isso não pode acontecer num Estado minimamente democrático e razoável, que quer avançar, que quer melhorar, que quer crescer, e não apenas virar um Estado puramente financeiro ou financista, de interesse de grandes conglomerados e dessas empresas de previdência privada. Como eu já disse, não tenho nada contra, podem sobreviver, mas o Brasil não deve cair no equívoco que estão tentando conduzi-lo e que outros países assim o fazem, mas cujos conceitos, valores e princípios não são os nossos, não são os nossos.

Então, Senador, eu, dentro do meu tempo regulamentar, agradeço muito. E são essas as palavras que eu deixo aqui em nome da nossa Associação dos Magistrados Brasileiros.

Fonte: Senado Federal

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