Reduzir maioridade penal é um erro, dizem especialistas
Maioria dos participantes de audiência condenou propostas em análise no Senado. Falência do sistema prisional brasileiro e inconstitucionalidade da medida foram alguns dos argumentos contrários à redução
PROPOSTAS DE EMENDA à Constituição (PECs) que tramitam no Senado em favor da redução da maioridade penal foram criticadas por especialistas em audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) ontem. A maioria dos participantes afirmou que as propostas são inconstitucionais e ferem tratados internacionais.
Os argumentos contra a redução foram a baixa porcentagem de crimes graves cometidos por crianças e adolescentes e a precariedade do sistema prisional no país. Além disso, especialistas disseram que qualquer proposta de redução da maioridade penal é inconstitucional por ferir cláusula pétrea da Constituição.
Estão em análise na comissão as PECs 74/2011, 33/2012, 21/2013 e 115/2015. O autor da PEC 33, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e o relator da proposta, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), não estavam presentes no debate. A proposta, que permite a punição de menores de 18 anos e maiores de
16 anos pela prática de crimes graves, já havia sido rejeitada pela comissão, em 2014. Porém, um recurso levou-a ao Plenário e, por emenda, a mesma PEC voltou para a análise da CCJ.
Descarte social
De acordo com o secretário-geral Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dom Leonardo Steiner, muitas crianças e adolescentes vivem em relações familiares e éticas quebradas. Para ele, diminuir a maioridade penal ou aumentar o tempo de internação é criar uma fratura social ainda maior. — É quase descartar essas pessoas da nossa sociedade. Não é isolando as pessoas que conseguimos construir uma sociedade mais justa.
Na mesma linha, a secretária especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Flávia Piovesan, disse que é contrária à “cultura do encarceramento” e que é necessário humanizar o sistema carcerário do país. Flávia relatou que atos criminosos cometidos por adolescentes representam 4% do total dos crimes e menos de 1% dos homicídios no Brasil. Ela ressaltou a situação degradante das penitenciárias e o fracasso da dimensão ressocializadora do sistema carcerário, com índice de reincidência entre 70% e 80%:
— Então é nesse lugar que está a esperança de nossos jovens? É para esse lugar que vamos encaminhá-los? O defensor público Bruno Moura traçou o perfil do adolescente que comete infração. Segundo ele, a maioria vem de família desestruturada, está fora do ensino formal, mora em bairros periféricos e se insere cedo no mundo das drogas. Para combater a violência, avaliou, é preciso combater a política de drogas do país, e não reduzir a maioridade penal.
Em defesa da redução, o deputado Laerte Bessa (PRDF), policial civil aposentado, afirmou que o menor infrator perigoso é irrecuperável e, por
isso, os que cometem crimes hediondos ou são reincidentes devem ser julgados como adultos. Bessa citou pesquisas que mostram que 87% da população é favorável à redução. Ele foi o relator da PEC 171/1993 na Câmara, cujo teor foi absorvido pela PEC 33/2012, no Senado.
Atendimento
De acordo com o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Fábio Paes, o que deve ser discutido pela sociedade e pelo Congresso não é a redução da maioridade penal, mas sim a aplicação da Lei 12.594/2012, que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). A lei regulamenta a forma como o poder público deve prestar o atendimento especializado aos adolescentes autores de ato infracional.
Paes fez um apelo aos senadores para que encampem proposta para responsabilizar os gestores estaduais e municipais que não a aplicam. Também sugeriu a elaboração de um diagnóstico em nível nacional sobre o que ocorre com os meninos e meninas submetidos a medidas socioeducativas.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) sugeriu ainda a criação de uma subcomissão permanente na CCJ para discutir a implantação do Sinase e acompanhar a política pública.
Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal, Erik Bezerra informou que a entidade acionará o Supremo Tribunal Federal (STF) caso a medida seja aprovada. O procurador de Justiça no Paraná Olympio de Sá afirmou que a PEC fere direitos constitucionais ao tentar alterar cláusula pétrea, que trata de direitos fundamentais.
Também participaram, entre outros, Wladimir Reale, da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Heloisa Helena Silva, da Fundação Abrinq, e Raquel Lima, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania.
Fátima Bezerra aponta contradições do governo sobre punição de jovens
Depois de participar da audiência sobre redução da maioridade penal na CCJ, Fátima Bezerra (PT-RN) falou em Plenário sobre contradições do governo interino a respeito da questão. Relatando a posição manifestada pela secretária nacional de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, que é contrária à medida, Fátima lembrou que integrantes da base parlamentar de apoio ao governo atuam para reduzir a idade penal para menos de 18 anos. — Fiz considerações à secretária de que é necessário que ela leve esse debate para dentro do governo do qual faz parte — disse a senadora.
Fonte: Jornal do Senado, Brasília, sexta-feira, 12 de agosto de 2016.
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