Como a dívida pública afeta
o dia a dia de cada brasileiro
As contas de um país funcionam
mais ou menos como
as de uma família. Se falta
dinheiro para pagar todas as
despesas da casa, a saída pode
ser tomar um empréstimo.
Mas é preciso cuidado para
administrar bem esse débito,
de modo que ele não cresça
descontroladamente e acabe
comprometendo uma parte
cada vez maior do orçamento.
Seja o doméstico ou o do país.
No caso de um país, a dívida
é uma forma de o governo
obter recursos para investir
em infraestrutura e pagar as
despesas com saúde, educação,
segurança e programas sociais,
por exemplo — o que tem efeito
positivo na sociedade.
Ao mesmo tempo, quando
opta por um empréstimo, o
governo não precisa emitir
moeda, que gera inflação e
corrói a renda das pessoas,
nem aumentar tributos, que
desacelera a atividade econômica, gerando efeitos negativos
como o desemprego.
Mas a dívida também tem um
custo: os juros, que, no caso de
um país, afetam todas as operações
financeiras realizadas
diariamente pelas pessoas,
como as compras com o cartão
de crédito, as despesas a prazo
e os financiamentos.
Quando o endividamento
do governo sai do controle, a
situação pode prejudicar todo
o país.
— Quanto menor for a capacidade
do governo de honrar
a própria dívida, maior vai ser
a desconfiança dos agentes
econômicos [em relação ao
Executivo], maior vai ser o
encurtamento do prazo da
dívida e maior vai ser a taxa de
juros cobrada [para conceder
novos empréstimos]— explica
o consultor legislativo do Senado
Alexandre Rocha.
O encurtamento do prazo
significa menos capacidade de
“rolar a dívida” e esticá-la em
condições e prazos que tornem
o pagamento mais cômodo
para o governo.
Tendo que desembolsar mais
dinheiro de forma imediata
para arcar com a dívida encurtada,
o Estado tem menos
recursos à mão para cumprir
suas funções sociais e aplicar
em áreas como a saúde, a educação
e a segurança.
Em 2016, o governo federal
gastou R$ 925,3 bilhões amortizando
e refinanciando a sua
dívida — quantia que representou
36% do Orçamento executado.
O pagamento de juros
consumiu R$ 204,9 bilhões no
ano. Somados os dois valores,
chega-se a um montante de
R$ 1,13 trilhão dedicado a lidar
com a dívida — uma fatia de
cerca de 45% do Orçamento.
— Com uma dívida nesse
patamar, estamos sacrificando
investimentos no Brasil.
Estamos deixando de aplicar
mais recursos na saúde, na
educação, na questão previdenciária
— avalia o senador
José Pimentel (PT-CE).
Trilhões
A relação entre a dívida
pública e o produto interno
bruto (PIB), que é a soma de
todas as riquezas produzidas
no país a cada ano, também é
um indicador importante para
avaliar a situação das contas
do governo. No Brasil, a dívida
bruta supera a marca dos
R$ 4 trilhões. Retirando-se as
operações compromissadas
do Banco Central, que não são
contabilizadas pelo Tesouro
Nacional, a dívida fica na casa
dos R$ 3 trilhões.
Como a atividade econômica
do país caiu 7,2% no período
2015–2016, a relação dívida-
-PIB cresceu aceleradamente
e fechou o ano passado em
uma taxa próxima dos 70%.
Isso significa que o endividamento
do país equivale a mais
de dois terços do tamanho da
economia. Há dois anos, essa
relação era de 56,3%.
Taxa de juros
O Japão, dono da terceira
maior economia do planeta,
tinha ao fim de 2015 uma dívida correspondente a 229%
do seu PIB, segundo a consultoria
internacional Trading
Economics. Como a economia
japonesa é estável, o país paga
juros menores para financiar a
própria dívida e pode assumir
os débitos com mais segurança,
explica Felipe Salto, diretor da
Instituição Fiscal Independente
(IFI), do Senado.
Em dezembro de 2015, a taxa
anual de juros estabelecida
pelo Nichigin (o BC japonês)
era de 0,10%. Em 2016, ela
passou a ser negativa.
No Brasil, a taxa anual básica
de juros estabelecida pelo
Comitê de Política Monetária
(Copom), do Banco Central,
era de 14,25% no final do ano
passado. Hoje está em 12,25%.
— O crescimento da dívida
pública brasileira hoje não é
nem tanto resultado do endividamento
público. É fruto de
uma taxa de juros exorbitante
que nós praticamos — analisa
o senador José Pimentel.
Cada ponto percentual de
aumento ou redução nos juros,
lembra Felipe Salto, equivale a
R$ 28 bilhões a mais ou a menos
no custo anual da dívida.
— Isso é muita coisa. Equivale
a um programa anual do
Bolsa Família — compara.
O aumento da dívida pública
brasileira levou o Senado
a aprovar em novembro um
requerimento do senador
Alvaro Dias (PV-PR) pedindo
que o Tribunal de Contas da
União (TCU) verifique detalhadamente
esse crescimento
nos últimos 12 anos.
O TCU, orientado pela Constituição
e pela Lei de Responsabilidade
Fiscal, já faz
acompanhamentos periódicos
da evolução da dívida. E, como
órgão auxiliar do Poder Legislativo,
pode promover uma
auditoria mais aprofundada se
alguma das Casas do Congresso
solicitar. Em fevereiro, o órgão
decidiu fazer o levantamento.
— Essa auditoria vai ajudar
a construir o conhecimento da
dívida para que a gente possa
saber onde existem fatos que
possam ser retirados, suspensos
— afirma a conselheira do
TCU Ana Arraes.
Pente-fino
Alvaro Dias quer saber qual
é a destinação dada aos recursos
arrecadados por meio
da emissão de títulos (papéis
emitidos pelo governo para tomar
dinheiro emprestado com
a promessa de recomprá-los no
futuro mediante o pagamento
de uma taxa de juros). Para
justificar a proposta de auditoria,
ele afirma não ser possível
verificar a contrapartida do
crescimento da dívida na forma
de investimentos públicos.
O senador também critica a
rolagem da dívida, explicando
que ela tem consequências
que vão além do simples refinanciamento
e postergação
da dívida atual.
Segundo ele, a cada rolagem,
são feitas novas operações em
condições diferentes, com
outra taxa de juros e sujeitas
ao pagamento de novas
comissões. Nesse cenário, o
aumento da dívida estaria se
alimentando da evolução e do
pagamento da própria dívida.
— Que dívida é essa? A quem
devemos? Para onde foi esse
dinheiro? Será que devemos
tudo isso? Parte dessa dívida já
não foi paga? Essa auditoria é
fundamental para que depois
possamos discutir alternativas
e solução — diz.
No mesmo sentido, o projeto
Auditoria Cidadã da Dívida, coordenado por Maria
Lúcia Fatorelli, propõe um
pente-fino sobre a dívida
pública federal brasileira. Ela
afirma que um estudo histórico
da dívida mostra “irregularidades”
na composição do
quadro atual.
— A dívida se transformou
num mecanismo de transferência
de renda do setor público
para o financeiro, por meio de
mecanismos cada vez mais
complexos e obscuros.
Fonte: Jornal do Senado, Brasília, terça-feira, 28 de março de 2017.
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