O Poder de Veto no Conselho de Segurança da ONU: Uma Análise Histórica e Geopolítica

Painel Interativo: O Poder de Veto na ONU

O Veto no Conselho de Segurança: Poder, Política e Paralisia

Uma prerrogativa dos cinco membros permanentes que molda a geopolítica global, permitindo que interesses nacionais se sobreponham à ação coletiva. Explore como essa ferramenta tem sido usada ao longo da história.

293

Total de Vetos (1946-2025)

5

Países com Poder de Veto (P5)

Rússia

País com Maior Número de Vetos

Uso do Veto ao Longo do Tempo

O uso do veto funciona como um termômetro das tensões globais. O gráfico abaixo ilustra a frequência de vetos desde 1946, revelando picos durante a Guerra Fria, um período de calmaria nos anos 90 e um ressurgimento no século XXI, refletindo a dinâmica de um mundo em constante mudança, da bipolaridade à multipolaridade.

Análise Detalhada por País

Cada membro permanente utiliza o veto para proteger seus interesses estratégicos. O gráfico abaixo compara o total de vetos de cada país. **Clique nas barras** para explorar em detalhes como e por que cada nação usou essa poderosa ferramenta, revelando padrões que vão desde a proteção de aliados até a defesa de interesses coloniais e a afirmação de soberania.

Críticas e Propostas de Reforma

O poder de veto é uma das características mais controversas da ONU, acusado de promover a inação e minar a credibilidade do Conselho de Segurança. Diante da paralisia em crises como a da Síria e Ruanda, cresce o debate por reformas. Conheça abaixo as principais propostas que buscam tornar o sistema mais justo, transparente e eficaz.

Responsabilidade de Não Vetar

Limitar o uso do veto em casos de atrocidades em massa, como genocídio e crimes de guerra. A proposta visa priorizar a proteção humana sobre os interesses geopolíticos. A França e o Reino Unido apoiam a ideia.

Exigência de Veto Múltiplo

Exigir que pelo menos dois ou mais membros permanentes exerçam o veto para que uma resolução seja bloqueada. Isso reduziria o poder de obstrução unilateral de um único país.

Iniciativa do Veto (2022)

Uma resolução da Assembleia Geral que exige um debate público sempre que um veto é usado no Conselho de Segurança. O objetivo é aumentar a transparência e a pressão diplomática sobre o país que veta.

Conclusão

O poder de veto continua a ser um reflexo da ordem mundial de 1945, criando uma tensão constante entre os ideais de segurança coletiva e os interesses nacionais das grandes potências. Enquanto a reforma completa permanece um desafio, a crescente pressão por transparência e responsabilidade pode, gradualmente, moldar seu uso no futuro.


O Poder de Veto no Conselho de Segurança da ONU: Uma Análise Histórica e Geopolítica

1. Introdução

O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) representa o pilar central da Organização das Nações Unidas (ONU) no que tange à manutenção da paz e segurança internacionais. Composto por quinze membros, sendo cinco permanentes e dez não permanentes, este órgão detém a capacidade de emitir resoluções vinculativas sobre os Estados-membros.1 Uma de suas características mais distintivas e, por vezes, controversas, é o poder de veto. Esta prerrogativa exclusiva, concedida aos cinco membros permanentes (P5), permite que qualquer um deles bloqueie unilateralmente a adoção de qualquer resolução substantiva, independentemente do nível de apoio internacional que ela possa ter.2 O mecanismo do veto, formalizado no Artigo 27, parágrafo 3, da Carta da ONU, foi concebido com o objetivo primordial de assegurar a participação e o consenso das grandes potências na manutenção da ordem global após a devastação da Segunda Guerra Mundial.2

Este relatório tem como propósito realizar uma análise histórica aprofundada do uso do poder de veto pelos membros permanentes do CSNU. A investigação abrange o período desde a fundação da ONU em 1945 até os dias atuais (com dados atualizados até 4 de junho de 2025, conforme 3). O estudo quantificará o número de vetos exercidos por cada país, identificará os Estados que mais recorreram a essa ferramenta e examinará os interesses geopolíticos e nacionais que motivaram tais ações. Adicionalmente, o relatório abordará as implicações do poder de veto na governança global e as críticas persistentes que o cercam.

2. Os Países com Poder de Veto no Conselho de Segurança da ONU

Os cinco países que possuem o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU são conhecidos coletivamente como os "P5". São eles: a China (originalmente representada pela República da China, sucedida pela República Popular da China em 1971), a França, a Federação Russa (que herdou o assento e os direitos de veto da União Soviética), o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América.1

O funcionamento do veto é delineado no Artigo 27, parágrafo 3, da Carta da ONU. Este artigo estipula que as decisões sobre questões substantivas do Conselho de Segurança devem ser tomadas com o voto afirmativo de nove dos quinze membros, incluindo os votos concordantes de todos os cinco membros permanentes.1 Na prática, isso significa que um único voto negativo de qualquer um dos P5 é suficiente para impedir a aprovação de uma resolução. É importante notar que uma abstenção ou a ausência de um membro permanente não constitui um veto.3

A formulação do Artigo 27(3) e a subsequente "Fórmula de Yalta" foram o resultado de intensas discussões entre as potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial (Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e China). O propósito por trás dessa estrutura era duplo: por um lado, garantir que as grandes potências agissem em uníssono em questões de paz e segurança; por outro, e de forma crucial, proteger os próprios direitos soberanos e interesses nacionais de cada uma dessas potências.3 A disposição que exige os "votos concordantes dos membros permanentes" não é apenas um requisito de consenso, mas uma concessão de poder unilateral que permite a cada membro permanente salvaguardar seus interesses estratégicos sem a necessidade de obter o apoio da maioria do Conselho. Isso demonstra que o veto transcende a mera função de um procedimento de votação; é uma cláusula fundamental que consagra a primazia da soberania nacional das grandes potências sobre a ação coletiva, criando uma tensão inerente no sistema da ONU.

3. Histórico Geral do Uso do Veto (1946 - 2025)

Desde a sua fundação em 1945, o poder de veto foi exercido em mais de 300 ocasiões.2 Dados mais recentes, compilados até 4 de junho de 2025, indicam que o veto foi registrado 293 vezes.4 O padrão de uso do veto ao longo dos anos reflete diretamente as mudanças no equilíbrio de poder geopolítico global.3

Períodos Distintos de Uso do Veto

  • Período da Guerra Fria (1946-1991): Esta era foi marcada por uma intensa rivalidade ideológica e estratégica entre os Estados Unidos e a União Soviética.2 Nos anos iniciais, a União Soviética destacou-se como o usuário mais frequente do veto, empregando-o em 93% de todas as ocasiões entre 1946 e 1969.3 Muitos desses vetos foram utilizados para bloquear resoluções propostas pela maioria ocidental e para impedir a admissão de novos Estados-membros que a URSS considerava alinhados ao Ocidente.2 Somente nos primeiros 10 anos da ONU, a URSS utilizou 79 vetos.4 Durante esse período inicial, os Estados Unidos não recorreram ao veto, pois geralmente conseguiam aprovar suas propostas devido à maioria de apoio que possuíam no Conselho.3 A França e o Reino Unido, por sua vez, utilizaram o veto ocasionalmente para proteger seus interesses coloniais.3 Após 1970, com a progressiva descolonização e a consequente erosão da maioria ocidental no Conselho, os Estados Unidos começaram a usar o veto com maior frequência, sendo responsáveis por 56% dos vetos entre 1970 e 1991.3

  • Era Pós-Guerra Fria (1991-Início do Século XXI): Com o colapso da União Soviética em 1991 e o fim da Guerra Fria, o Conselho de Segurança experimentou um breve período de relativa harmonia.3 O uso do veto diminuiu temporariamente para menos de um terço do nível anterior, mesmo com um aumento substancial no número de resoluções consideradas.3 O intervalo de 31 de maio de 1990 a 11 de maio de 1993 representou o período mais longo na história da ONU sem o registro de um veto.3

  • Século XXI (Início dos Anos 2000 - Presente): No início do século XXI, o uso do veto voltou a aumentar, impulsionado notadamente por conflitos como a Guerra Civil Síria e outras crises geopolíticas.3 Nesse período, a Rússia e a China tornaram-se mais ativas no exercício do veto, enquanto os Estados Unidos continuaram a utilizá-lo para proteger interesses específicos.2

A análise das fases de uso do veto (Guerra Fria, Pós-Guerra Fria, Século XXI) não se limita a uma mera cronologia; ela funciona como um reflexo direto das dinâmicas de poder globais.3 A elevada frequência de vetos da URSS durante a Guerra Fria ilustra a bipolaridade e a profunda oposição ideológica daquele período. A diminuição do uso do veto após 1991 pode ser interpretada como um período de consenso temporário ou, alternativamente, como um indicativo da hegemonia de uma única potência. O ressurgimento do uso do veto no século XXI, com a Rússia e a China mais assertivas e os EUA mantendo seu padrão de uso, aponta para uma transição em direção a uma ordem multipolar, onde as grandes potências demonstram maior disposição em afirmar seus interesses nacionais de forma unilateral, mesmo que isso comprometa a ação coletiva. Esse comportamento transforma o veto em um "termômetro" preciso das tensões geopolíticas globais.

4. Análise Detalhada do Uso do Veto por País e Interesses Defendidos

A seguir, apresenta-se uma tabela que resume o uso histórico do poder de veto pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, seguida de uma análise detalhada para cada país, destacando seus padrões de uso e os interesses geopolíticos subjacentes.

Tabela 1: Uso Histórico do Poder de Veto por País (1946-2025)

País (Membro Permanente)

Total de Vetos (até 04/06/2025)

Períodos de Maior Atividade / Contexto Histórico

Interesses Principais Defendidos

Exemplos Notáveis de Anos/Eventos

Federação Russa (incl. União Soviética)

129

Guerra Fria (1946-1969, 93% dos vetos), Pós-2011 (31 vetos)

Bloqueio da maioria ocidental, proteção de esferas de influência e aliados, oposição a intervenções ocidentais, controle institucional da ONU, promoção da estabilidade internacional e freio a intervenções militares.

Admissão de novos membros (1946), Questão Espanhola (1946), Conflito no Congo (1960-61), Invasão do Afeganistão (1980), Guerra Civil Síria (14 vetos desde 2011), Conflito na Ucrânia (2 vetos), nomeação de Secretários-Gerais.

Estados Unidos da América

88

Pós-1970 (56% dos vetos entre 1970-1991), Século XXI (14 vetos desde 2020, 12 sobre Israel/Palestina)

Proteção de Israel, defesa de interesses nacionais e aliados.

Resoluções sobre Israel (50 vezes, incluindo expansão de assentamentos, invasão do Líbano, Colinas de Golã, Guerra Israel-Gaza de 2024), Invasão do Panamá (1989).

Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte

29

Período colonial (1956-1973), Último veto em 1989

Proteção de interesses coloniais, apoio a aliados.

Crise de Suez (1956), Rodésia (7 vetos, 5 unilaterais, 1963-1973), Invasão do Panamá (1989).

República Popular da China (incl. República da China)

19

Pós-1997 (13 de 16 vetos), Pós-2011 (8 de 9 vetos sobre Síria)

Não-interferência em assuntos internos, proteção de aliados, promoção da estabilidade internacional e freio a intervenções militares.

Admissão da Mongólia (1955, pela ROC), Admissão de Bangladesh (1972), Resolução sobre Oriente Médio (1972), Guerra Civil Síria, Venezuela.

França

16

Período colonial (1946-1947), Último veto em 1989

Proteção de interesses coloniais e pós-coloniais, apoio a aliados.

Questão Espanhola (1946), Conflito Holanda-Indonésia (1947), Invasão do Panamá (1989).

Nota: Os dados de veto são atualizados até 4 de junho de 2025. A coluna "Exemplos Notáveis de Anos/Eventos" lista alguns exemplos proeminentes, mas não todos os vetos, devido à vastidão dos dados históricos.

4.1. União Soviética / Federação Russa

A Rússia, incluindo seu predecessor, a União Soviética, é o país que mais utilizou o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, somando um total de 129 vetos até 4 de junho de 2025.3 A União Soviética, em particular, foi a mais prolífica nos primeiros anos da organização, registrando 79 vetos apenas na primeira década e mais de 120 vetos desde a fundação da ONU.4 Entre 1946 e 1969, a URSS foi responsável por 93% de todos os vetos.3

Os interesses defendidos pela União Soviética e, posteriormente, pela Federação Russa, através do veto, são multifacetados e refletem suas prioridades geopolíticas. Durante a Guerra Fria, a URSS frequentemente vetava a admissão de novos estados-membros que percebia como alinhados ao Ocidente.2 Também bloqueou resoluções sobre questões como o regime de Franco na Espanha (1946), incidentes de fronteira na Grécia (1946-47) e a independência da Tchecoslováquia (1948).6 O veto também foi uma ferramenta para proteger suas esferas de influência e aliados, como visto em questões relacionadas ao Congo (1960-61) e à invasão soviética do Afeganistão (1980).6

Desde 2011, a Rússia tem demonstrado um aumento na frequência de vetos, com 31 vetos registrados nesse período.4 Muitos desses vetos foram direcionados a bloquear resoluções relativas à Guerra Civil Síria (14 vetos desde 2011) e ao conflito na Ucrânia (2 vetos).2 A Rússia também vetou sanções contra o Iêmen e resoluções sobre a Venezuela.5 Além de questões de segurança, a URSS/Rússia utilizou o veto para influenciar o controle institucional da ONU, bloqueando a nomeação de Secretários-Gerais em várias ocasiões (como Trygve Lie em 1950 e U Thant em 1961) e a extensão de mandatos de missões de paz, como a UNOMIG na Geórgia em 2009.8 A Rússia, assim como a China, considera o veto um instrumento fundamental para promover a estabilidade internacional e atuar como um freio contra intervenções militares externas.3

O padrão de veto da Rússia/URSS, caracterizado por sua alta frequência e a diversidade de temas abordados (desde admissões de membros até conflitos como Síria e Ucrânia, e até mesmo nomeações de Secretários-Gerais), demonstra uma estratégia consistente de uso do veto para proteger seus interesses nacionais e geopolíticos. Isso inclui o desafio à hegemonia ocidental e a promoção de uma visão de "estabilidade" que prioriza a soberania estatal e a não-intervenção em assuntos internos.3 A concentração de vetos em temas como Síria e Ucrânia no século XXI sublinha a disposição da Rússia em empregar seu poder de bloqueio para apoiar regimes aliados e evitar ações internacionais que percebe como ameaças à sua influência ou segurança, mesmo em face de alegações de violações de direitos humanos.4

4.2. Estados Unidos

Os Estados Unidos são o segundo maior usuário do veto no Conselho de Segurança, com um total de 88 vetos registrados até 4 de junho de 2025.3 O primeiro veto americano ocorreu em 17 de março de 1970.5

O interesse mais consistente e proeminente no uso do veto pelos EUA tem sido a proteção de Israel. Os Estados Unidos vetaram resoluções relacionadas a Israel em 50 ocasiões.3 Isso inclui resoluções que condenavam a expansão de assentamentos israelenses 2, a invasão do sul do Líbano por Israel, a anexação unilateral das Colinas de Golã 4 e, mais recentemente, uma série de vetos surgidos no contexto da Guerra Israel-Gaza de 2024, incluindo apelos por "pausas humanitárias".2 Desde 2020, 12 dos 14 vetos dos EUA foram sobre questões Israel/Palestina.5 Em menor medida, os EUA também utilizaram o veto para proteger outros interesses nacionais e de aliados, como a invasão do Panamá em 1989, quando vetaram uma condenação em conjunto com o Reino Unido e a França.4

O padrão de veto dos EUA é notavelmente concentrado na proteção de Israel.3 Isso demonstra que o veto, para os Estados Unidos, não é apenas um instrumento de defesa da soberania nacional, mas uma ferramenta de política externa fundamental para apoiar e proteger aliados estratégicos de críticas ou ações internacionais, mesmo quando essas ações podem estar em desacordo com o consenso internacional ou com preocupações humanitárias.2 A consistência desse padrão ao longo de décadas ressalta a profundidade do compromisso dos EUA com a segurança de Israel e sua disposição em utilizar seu poder de veto para esse fim, mesmo que isso resulte em impasses no Conselho de Segurança e gere críticas à credibilidade da ONU.

4.3. Reino Unido

O Reino Unido utilizou seu poder de veto 29 vezes até 4 de junho de 2025.3 O primeiro uso do veto pelo Reino Unido ocorreu em 30 de outubro de 1956, durante a Crise de Suez, em conjunto com a França.4

Os interesses defendidos pelo Reino Unido por meio do veto estavam, em grande parte, ligados à proteção de seus interesses coloniais remanescentes. Isso é evidenciado pelo uso do veto sete vezes em relação à Rodésia entre 1963 e 1973; cinco dessas ocasiões foram unilaterais, sendo as únicas vezes em que o Reino Unido utilizou seu veto de forma isolada.9 A última vez que o Reino Unido usou o veto foi em 23 de dezembro de 1989, quando, em conjunto com os EUA e a França, impediu a condenação da invasão do Panamá pelos EUA.4 Desde então, o Reino Unido não utilizou mais seu poder de veto.4

O padrão de veto do Reino Unido, com seu uso concentrado em interesses coloniais (Crise de Suez, Rodésia) e sua completa ausência de vetos desde 1989 4, reflete uma mudança significativa em sua política externa e em seu papel no cenário global. Isso sugere que, à medida que o império britânico declinou e suas prioridades geopolíticas se alinharam mais com o consenso ocidental, a necessidade de utilizar o veto unilateralmente para proteger interesses específicos diminuiu drasticamente. Essa transição o diferencia dos outros membros permanentes que continuam a usar o veto ativamente, indicando uma maior disposição do Reino Unido para operar dentro das normas multilaterais ou uma menor frequência de interesses diretamente conflitantes com a maioria do Conselho.

4.4. França

A França utilizou o veto 16 vezes até 4 de junho de 2025.3 O primeiro veto da França ocorreu em 26 de junho de 1946, em relação à "Questão Espanhola".4

Os interesses defendidos pela França através do veto, assim como os do Reino Unido, estiveram inicialmente ligados a questões coloniais e pós-coloniais. Um exemplo é o veto solitário a um projeto de resolução sobre o conflito entre a Holanda e a Indonésia em 1947 6, o que demonstra a proteção de interesses coloniais ou de potências coloniais aliadas. A França, assim como o Reino Unido, não utiliza o veto desde 23 de dezembro de 1989, quando, em conjunto com os EUA e o Reino Unido, vetou a condenação da invasão do Panamá pelos EUA.4

A França, de forma análoga ao Reino Unido, apresenta um histórico de uso do veto ligado a interesses coloniais e, notavelmente, ambos os países não o utilizam desde 1989.4 Essa convergência indica uma evolução similar em suas políticas externas, onde a unilateralidade do veto se tornou menos atraente ou necessária. Isso pode ser atribuído a uma maior integração com as políticas da União Europeia, uma crescente dependência de alianças multilaterais ou uma diminuição de interesses geopolíticos que demandem um bloqueio tão direto no Conselho. A ausência de vetos por mais de 25 anos para ambos os países europeus do P5 contrasta significativamente com o comportamento dos outros três membros permanentes.

4.5. China (República da China / República Popular da China)

A China, incluindo a República da China (Taiwan) e a República Popular da China, utilizou o veto 19 vezes até 4 de junho de 2025.3 O primeiro veto chinês foi lançado pela República da China em 14 de dezembro de 1955, para bloquear a admissão da Mongólia.4 Após a República Popular da China assumir o assento permanente em 25 de outubro de 1971, ela passou a lançar os vetos subsequentes.4 Um veto notável da RPC foi em 1972, quando vetou a admissão de Bangladesh à ONU e se juntou à URSS para vetar uma resolução sobre o Oriente Médio.6

Historicamente, a China utilizou o veto menos que os outros membros permanentes. No entanto, ela se tornou mais ativa a partir de 1997, com 13 de seus 16 vetos ocorrendo nesse período.5 Desde 2011, 8 de seus 9 vetos foram sobre a Síria, e um sobre a Venezuela.5 A China, frequentemente em conjunto com a Rússia, vetou resoluções destinadas a abordar violações de direitos humanos na Síria.2 A China, assim como a Rússia, considera o veto um instrumento para promover a estabilidade internacional e evitar intervenções militares.3

Embora a China possua o menor número total de vetos, sua atuação demonstra uma tendência crescente e estratégica de uso no século XXI, especialmente desde 1997 e de forma concentrada em questões como a Síria.5 Essa mudança de comportamento reflete sua crescente influência global e uma política externa mais assertiva, frequentemente alinhada à Rússia para contrabalançar as iniciativas ocidentais e defender o princípio da não-interferência em assuntos internos de estados soberanos. O veto chinês tornou-se um sinal claro de sua posição em favor de uma ordem mundial multipolar e de sua oposição a intervenções que considera violações da soberania nacional, mesmo em contextos de crises humanitárias.

5. Implicações e Críticas ao Poder de Veto

O poder de veto no Conselho de Segurança da ONU é alvo de amplas críticas por diversas razões, sendo a mais proeminente a sua capacidade de gerar impasses geopolíticos e, consequentemente, a inação do Conselho. Este mecanismo permite que os interesses geopolíticos dos membros permanentes sejam protegidos, muitas vezes em detrimento da paz e segurança globais.2 A incapacidade do CSNU de tomar ações eficazes em crises humanitárias de grande escala, como o genocídio em Ruanda (1994) e a prolongada Guerra Civil Síria (2011-presente), é frequentemente citada como exemplos flagrantes de como o veto impede o cumprimento do propósito fundamental da organização.2

Críticos argumentam que o veto confere a nações poderosas uma espécie de impunidade, permitindo-lhes obstruir a justiça internacional e minar a credibilidade do Conselho de Segurança.2 O veto, em sua essência, impede que a ONU atue contra os próprios membros permanentes ou seus aliados, mesmo em situações de graves violações do direito internacional.3

Além do uso formal durante as votações, a mera ameaça de veto por um ou mais membros permanentes pode ter um impacto profundo na dinâmica do Conselho. Não é incomum que um projeto de resolução não seja sequer formalmente apresentado para votação devido à expectativa de que seria vetado.5 Essa observação revela que o veto não se limita a um poder de bloqueio

ex post facto, mas funciona como um poder de agenda ex ante. Isso significa que a simples existência do veto e a percepção da disposição de um membro permanente em utilizá-lo podem dissuadir outros membros de propor resoluções que seriam vetadas, resultando em uma autocensura e uma limitação da discussão e da ação do Conselho. Essa é uma implicação mais profunda do veto, que transcende as estatísticas de uso e afeta a própria dinâmica de formulação de políticas do CSNU.

Propostas de Reforma do Veto

O debate sobre a reforma do veto continua a ganhar força, impulsionado pelas mudanças nas dinâmicas de poder globais e pela crescente demanda por um Conselho de Segurança mais representativo e eficaz.2

  • Expansão da Membresia: Potências emergentes, como Índia, Brasil e África do Sul, defendem a necessidade de um Conselho de Segurança mais inclusivo. As propostas variam desde a expansão da membresia permanente até a limitação do próprio poder de veto.2

  • Princípio da "Responsabilidade de Não Vetar": Uma das propostas mais discutidas é a introdução de um princípio de "responsabilidade de não vetar". Este princípio visaria limitar o uso do veto em casos envolvendo atrocidades em massa, como genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.2 No entanto, entre os membros permanentes, apenas o Reino Unido tem apoiado publicamente esta iniciativa.5

  • Requisito de Múltiplos Vetos: Outra sugestão é exigir que pelo menos dois ou mais membros permanentes exerçam um veto para que ele seja eficaz. Isso reduziria o impacto do obstrucionismo unilateral por parte de um único país.2

  • A "Iniciativa do Veto" (2022): Em um esforço para aumentar a transparência e a prestação de contas, a Assembleia Geral da ONU adotou a "iniciativa do veto" em 26 de abril de 2022. Esta iniciativa estabelece um mandato permanente para que cada veto seja publicamente discutido e criticado na Assembleia Geral.7 Embora não altere o direito legal de veto, ela aumenta significativamente a pressão diplomática e a necessidade de justificação por parte dos membros permanentes.

A alteração do poder de veto é, no entanto, uma tarefa legalmente complexa e politicamente desafiadora. Qualquer mudança exigiria uma maioria de dois terços da Assembleia Geral e, crucialmente, a ratificação por todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.3 Os membros permanentes, naturalmente, têm o poder de vetar qualquer proposta que vise limitar seu próprio poder, o que demonstra a resiliência institucional desse mecanismo. No entanto, o surgimento de iniciativas como a "responsabilidade de não vetar" e a "iniciativa do veto" da Assembleia Geral demonstra que a comunidade internacional está buscando mecanismos de prestação de contas indireta e de pressão política, mesmo que não consiga abolir ou limitar legalmente o veto. Isso indica uma evolução na governança global onde, diante da inércia institucional, os atores buscam vias alternativas para mitigar os efeitos negativos do poder de veto e aumentar a transparência em sua aplicação.

6. Conclusão

O poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, uma herança da ordem geopolítica pós-Segunda Guerra Mundial, tem moldado profundamente a capacidade da organização de responder a crises internacionais. A análise histórica revela que o veto é predominantemente uma ferramenta utilizada para a defesa de interesses nacionais e geopolíticos. A Federação Russa (incluindo a União Soviética) e os Estados Unidos destacam-se como os usuários mais frequentes, empregando-o muitas vezes para proteger aliados estratégicos ou suas respectivas esferas de influência. A China, embora com um número total de vetos menor, tem demonstrado uma crescente e estratégica atividade no século XXI, frequentemente alinhando-se à Rússia. Em contraste, a França e o Reino Unido cessaram o uso do veto desde 1989, o que pode indicar uma mudança em suas abordagens de política externa ou uma maior alinhamento com o consenso ocidental.

O veto continua a ser a característica mais controversa do CSNU, frequentemente resultando em impasses e inação diante de atrocidades e conflitos que exigem uma resposta global urgente. As crescentes críticas e as propostas de reforma, como o princípio da "responsabilidade de não vetar" e a "iniciativa do veto" da Assembleia Geral, refletem uma busca contínua por maior legitimidade, representatividade e eficácia do Conselho. No entanto, a dificuldade inerente à reforma do veto, dada a necessidade do consenso dos cinco membros permanentes, sugere que o debate e a pressão política continuarão a ser os principais meios para influenciar seu uso no futuro. A tensão fundamental entre os ideais de segurança coletiva da ONU e a realidade dos interesses nacionais das grandes potências permanecerá um desafio central para a governança global nos próximos anos.

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