O Veto no Conselho de Segurança: Poder, Política e Paralisia
Uma prerrogativa dos cinco membros permanentes que molda a geopolítica global, permitindo que interesses nacionais se sobreponham à ação coletiva. Explore como essa ferramenta tem sido usada ao longo da história.
293
Total de Vetos (1946-2025)
5
Países com Poder de Veto (P5)
Rússia
País com Maior Número de Vetos
Uso do Veto ao Longo do Tempo
O uso do veto funciona como um termômetro das tensões globais. O gráfico abaixo ilustra a frequência de vetos desde 1946, revelando picos durante a Guerra Fria, um período de calmaria nos anos 90 e um ressurgimento no século XXI, refletindo a dinâmica de um mundo em constante mudança, da bipolaridade à multipolaridade.
Análise Detalhada por País
Cada membro permanente utiliza o veto para proteger seus interesses estratégicos. O gráfico abaixo compara o total de vetos de cada país. **Clique nas barras** para explorar em detalhes como e por que cada nação usou essa poderosa ferramenta, revelando padrões que vão desde a proteção de aliados até a defesa de interesses coloniais e a afirmação de soberania.
Críticas e Propostas de Reforma
O poder de veto é uma das características mais controversas da ONU, acusado de promover a inação e minar a credibilidade do Conselho de Segurança. Diante da paralisia em crises como a da Síria e Ruanda, cresce o debate por reformas. Conheça abaixo as principais propostas que buscam tornar o sistema mais justo, transparente e eficaz.
Responsabilidade de Não Vetar
Limitar o uso do veto em casos de atrocidades em massa, como genocídio e crimes de guerra. A proposta visa priorizar a proteção humana sobre os interesses geopolíticos. A França e o Reino Unido apoiam a ideia.
Exigência de Veto Múltiplo
Exigir que pelo menos dois ou mais membros permanentes exerçam o veto para que uma resolução seja bloqueada. Isso reduziria o poder de obstrução unilateral de um único país.
Iniciativa do Veto (2022)
Uma resolução da Assembleia Geral que exige um debate público sempre que um veto é usado no Conselho de Segurança. O objetivo é aumentar a transparência e a pressão diplomática sobre o país que veta.
O Poder de Veto no Conselho de Segurança da ONU: Uma Análise Histórica e Geopolítica
1. Introdução
O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) representa o pilar central da Organização das Nações Unidas (ONU) no que tange à manutenção da paz e segurança internacionais. Composto por quinze membros, sendo cinco permanentes e dez não permanentes, este órgão detém a capacidade de emitir resoluções vinculativas sobre os Estados-membros.
Este relatório tem como propósito realizar uma análise histórica aprofundada do uso do poder de veto pelos membros permanentes do CSNU. A investigação abrange o período desde a fundação da ONU em 1945 até os dias atuais (com dados atualizados até 4 de junho de 2025, conforme
2. Os Países com Poder de Veto no Conselho de Segurança da ONU
Os cinco países que possuem o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU são conhecidos coletivamente como os "P5". São eles: a China (originalmente representada pela República da China, sucedida pela República Popular da China em 1971), a França, a Federação Russa (que herdou o assento e os direitos de veto da União Soviética), o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América.
O funcionamento do veto é delineado no Artigo 27, parágrafo 3, da Carta da ONU. Este artigo estipula que as decisões sobre questões substantivas do Conselho de Segurança devem ser tomadas com o voto afirmativo de nove dos quinze membros, incluindo os votos concordantes de todos os cinco membros permanentes.
A formulação do Artigo 27(3) e a subsequente "Fórmula de Yalta" foram o resultado de intensas discussões entre as potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial (Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e China). O propósito por trás dessa estrutura era duplo: por um lado, garantir que as grandes potências agissem em uníssono em questões de paz e segurança; por outro, e de forma crucial, proteger os próprios direitos soberanos e interesses nacionais de cada uma dessas potências.
3. Histórico Geral do Uso do Veto (1946 - 2025)
Desde a sua fundação em 1945, o poder de veto foi exercido em mais de 300 ocasiões.
Períodos Distintos de Uso do Veto
Período da Guerra Fria (1946-1991): Esta era foi marcada por uma intensa rivalidade ideológica e estratégica entre os Estados Unidos e a União Soviética.
2 Nos anos iniciais, a União Soviética destacou-se como o usuário mais frequente do veto, empregando-o em 93% de todas as ocasiões entre 1946 e 1969.3 Muitos desses vetos foram utilizados para bloquear resoluções propostas pela maioria ocidental e para impedir a admissão de novos Estados-membros que a URSS considerava alinhados ao Ocidente.2 Somente nos primeiros 10 anos da ONU, a URSS utilizou 79 vetos.4 Durante esse período inicial, os Estados Unidos não recorreram ao veto, pois geralmente conseguiam aprovar suas propostas devido à maioria de apoio que possuíam no Conselho.3 A França e o Reino Unido, por sua vez, utilizaram o veto ocasionalmente para proteger seus interesses coloniais.3 Após 1970, com a progressiva descolonização e a consequente erosão da maioria ocidental no Conselho, os Estados Unidos começaram a usar o veto com maior frequência, sendo responsáveis por 56% dos vetos entre 1970 e 1991.3 Era Pós-Guerra Fria (1991-Início do Século XXI): Com o colapso da União Soviética em 1991 e o fim da Guerra Fria, o Conselho de Segurança experimentou um breve período de relativa harmonia.
3 O uso do veto diminuiu temporariamente para menos de um terço do nível anterior, mesmo com um aumento substancial no número de resoluções consideradas.3 O intervalo de 31 de maio de 1990 a 11 de maio de 1993 representou o período mais longo na história da ONU sem o registro de um veto.3 Século XXI (Início dos Anos 2000 - Presente): No início do século XXI, o uso do veto voltou a aumentar, impulsionado notadamente por conflitos como a Guerra Civil Síria e outras crises geopolíticas.
3 Nesse período, a Rússia e a China tornaram-se mais ativas no exercício do veto, enquanto os Estados Unidos continuaram a utilizá-lo para proteger interesses específicos.2
A análise das fases de uso do veto (Guerra Fria, Pós-Guerra Fria, Século XXI) não se limita a uma mera cronologia; ela funciona como um reflexo direto das dinâmicas de poder globais.
4. Análise Detalhada do Uso do Veto por País e Interesses Defendidos
A seguir, apresenta-se uma tabela que resume o uso histórico do poder de veto pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, seguida de uma análise detalhada para cada país, destacando seus padrões de uso e os interesses geopolíticos subjacentes.
Tabela 1: Uso Histórico do Poder de Veto por País (1946-2025)
País (Membro Permanente) | Total de Vetos (até 04/06/2025) | Períodos de Maior Atividade / Contexto Histórico | Interesses Principais Defendidos | Exemplos Notáveis de Anos/Eventos |
Federação Russa (incl. União Soviética) | 129 | Guerra Fria (1946-1969, 93% dos vetos), Pós-2011 (31 vetos) | Bloqueio da maioria ocidental, proteção de esferas de influência e aliados, oposição a intervenções ocidentais, controle institucional da ONU, promoção da estabilidade internacional e freio a intervenções militares. | Admissão de novos membros (1946), Questão Espanhola (1946), Conflito no Congo (1960-61), Invasão do Afeganistão (1980), Guerra Civil Síria (14 vetos desde 2011), Conflito na Ucrânia (2 vetos), nomeação de Secretários-Gerais. |
Estados Unidos da América | 88 | Pós-1970 (56% dos vetos entre 1970-1991), Século XXI (14 vetos desde 2020, 12 sobre Israel/Palestina) | Proteção de Israel, defesa de interesses nacionais e aliados. | Resoluções sobre Israel (50 vezes, incluindo expansão de assentamentos, invasão do Líbano, Colinas de Golã, Guerra Israel-Gaza de 2024), Invasão do Panamá (1989). |
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte | 29 | Período colonial (1956-1973), Último veto em 1989 | Proteção de interesses coloniais, apoio a aliados. | Crise de Suez (1956), Rodésia (7 vetos, 5 unilaterais, 1963-1973), Invasão do Panamá (1989). |
República Popular da China (incl. República da China) | 19 | Pós-1997 (13 de 16 vetos), Pós-2011 (8 de 9 vetos sobre Síria) | Não-interferência em assuntos internos, proteção de aliados, promoção da estabilidade internacional e freio a intervenções militares. | Admissão da Mongólia (1955, pela ROC), Admissão de Bangladesh (1972), Resolução sobre Oriente Médio (1972), Guerra Civil Síria, Venezuela. |
França | 16 | Período colonial (1946-1947), Último veto em 1989 | Proteção de interesses coloniais e pós-coloniais, apoio a aliados. | Questão Espanhola (1946), Conflito Holanda-Indonésia (1947), Invasão do Panamá (1989). |
Nota: Os dados de veto são atualizados até 4 de junho de 2025. A coluna "Exemplos Notáveis de Anos/Eventos" lista alguns exemplos proeminentes, mas não todos os vetos, devido à vastidão dos dados históricos.
4.1. União Soviética / Federação Russa
A Rússia, incluindo seu predecessor, a União Soviética, é o país que mais utilizou o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, somando um total de 129 vetos até 4 de junho de 2025.
Os interesses defendidos pela União Soviética e, posteriormente, pela Federação Russa, através do veto, são multifacetados e refletem suas prioridades geopolíticas. Durante a Guerra Fria, a URSS frequentemente vetava a admissão de novos estados-membros que percebia como alinhados ao Ocidente.
Desde 2011, a Rússia tem demonstrado um aumento na frequência de vetos, com 31 vetos registrados nesse período.
O padrão de veto da Rússia/URSS, caracterizado por sua alta frequência e a diversidade de temas abordados (desde admissões de membros até conflitos como Síria e Ucrânia, e até mesmo nomeações de Secretários-Gerais), demonstra uma estratégia consistente de uso do veto para proteger seus interesses nacionais e geopolíticos. Isso inclui o desafio à hegemonia ocidental e a promoção de uma visão de "estabilidade" que prioriza a soberania estatal e a não-intervenção em assuntos internos.
4.2. Estados Unidos
Os Estados Unidos são o segundo maior usuário do veto no Conselho de Segurança, com um total de 88 vetos registrados até 4 de junho de 2025.
O interesse mais consistente e proeminente no uso do veto pelos EUA tem sido a proteção de Israel. Os Estados Unidos vetaram resoluções relacionadas a Israel em 50 ocasiões.
O padrão de veto dos EUA é notavelmente concentrado na proteção de Israel.
4.3. Reino Unido
O Reino Unido utilizou seu poder de veto 29 vezes até 4 de junho de 2025.
Os interesses defendidos pelo Reino Unido por meio do veto estavam, em grande parte, ligados à proteção de seus interesses coloniais remanescentes. Isso é evidenciado pelo uso do veto sete vezes em relação à Rodésia entre 1963 e 1973; cinco dessas ocasiões foram unilaterais, sendo as únicas vezes em que o Reino Unido utilizou seu veto de forma isolada.
O padrão de veto do Reino Unido, com seu uso concentrado em interesses coloniais (Crise de Suez, Rodésia) e sua completa ausência de vetos desde 1989
4.4. França
A França utilizou o veto 16 vezes até 4 de junho de 2025.
Os interesses defendidos pela França através do veto, assim como os do Reino Unido, estiveram inicialmente ligados a questões coloniais e pós-coloniais. Um exemplo é o veto solitário a um projeto de resolução sobre o conflito entre a Holanda e a Indonésia em 1947
A França, de forma análoga ao Reino Unido, apresenta um histórico de uso do veto ligado a interesses coloniais e, notavelmente, ambos os países não o utilizam desde 1989.
4.5. China (República da China / República Popular da China)
A China, incluindo a República da China (Taiwan) e a República Popular da China, utilizou o veto 19 vezes até 4 de junho de 2025.
Historicamente, a China utilizou o veto menos que os outros membros permanentes. No entanto, ela se tornou mais ativa a partir de 1997, com 13 de seus 16 vetos ocorrendo nesse período.
Embora a China possua o menor número total de vetos, sua atuação demonstra uma tendência crescente e estratégica de uso no século XXI, especialmente desde 1997 e de forma concentrada em questões como a Síria.
5. Implicações e Críticas ao Poder de Veto
O poder de veto no Conselho de Segurança da ONU é alvo de amplas críticas por diversas razões, sendo a mais proeminente a sua capacidade de gerar impasses geopolíticos e, consequentemente, a inação do Conselho. Este mecanismo permite que os interesses geopolíticos dos membros permanentes sejam protegidos, muitas vezes em detrimento da paz e segurança globais.
Críticos argumentam que o veto confere a nações poderosas uma espécie de impunidade, permitindo-lhes obstruir a justiça internacional e minar a credibilidade do Conselho de Segurança.
Além do uso formal durante as votações, a mera ameaça de veto por um ou mais membros permanentes pode ter um impacto profundo na dinâmica do Conselho. Não é incomum que um projeto de resolução não seja sequer formalmente apresentado para votação devido à expectativa de que seria vetado.
ex post facto, mas funciona como um poder de agenda ex ante. Isso significa que a simples existência do veto e a percepção da disposição de um membro permanente em utilizá-lo podem dissuadir outros membros de propor resoluções que seriam vetadas, resultando em uma autocensura e uma limitação da discussão e da ação do Conselho. Essa é uma implicação mais profunda do veto, que transcende as estatísticas de uso e afeta a própria dinâmica de formulação de políticas do CSNU.
Propostas de Reforma do Veto
O debate sobre a reforma do veto continua a ganhar força, impulsionado pelas mudanças nas dinâmicas de poder globais e pela crescente demanda por um Conselho de Segurança mais representativo e eficaz.
Expansão da Membresia: Potências emergentes, como Índia, Brasil e África do Sul, defendem a necessidade de um Conselho de Segurança mais inclusivo. As propostas variam desde a expansão da membresia permanente até a limitação do próprio poder de veto.
2 Princípio da "Responsabilidade de Não Vetar": Uma das propostas mais discutidas é a introdução de um princípio de "responsabilidade de não vetar". Este princípio visaria limitar o uso do veto em casos envolvendo atrocidades em massa, como genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
2 No entanto, entre os membros permanentes, apenas o Reino Unido tem apoiado publicamente esta iniciativa.5 Requisito de Múltiplos Vetos: Outra sugestão é exigir que pelo menos dois ou mais membros permanentes exerçam um veto para que ele seja eficaz. Isso reduziria o impacto do obstrucionismo unilateral por parte de um único país.
2 A "Iniciativa do Veto" (2022): Em um esforço para aumentar a transparência e a prestação de contas, a Assembleia Geral da ONU adotou a "iniciativa do veto" em 26 de abril de 2022. Esta iniciativa estabelece um mandato permanente para que cada veto seja publicamente discutido e criticado na Assembleia Geral.
7 Embora não altere o direito legal de veto, ela aumenta significativamente a pressão diplomática e a necessidade de justificação por parte dos membros permanentes.
A alteração do poder de veto é, no entanto, uma tarefa legalmente complexa e politicamente desafiadora. Qualquer mudança exigiria uma maioria de dois terços da Assembleia Geral e, crucialmente, a ratificação por todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.
6. Conclusão
O poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, uma herança da ordem geopolítica pós-Segunda Guerra Mundial, tem moldado profundamente a capacidade da organização de responder a crises internacionais. A análise histórica revela que o veto é predominantemente uma ferramenta utilizada para a defesa de interesses nacionais e geopolíticos. A Federação Russa (incluindo a União Soviética) e os Estados Unidos destacam-se como os usuários mais frequentes, empregando-o muitas vezes para proteger aliados estratégicos ou suas respectivas esferas de influência. A China, embora com um número total de vetos menor, tem demonstrado uma crescente e estratégica atividade no século XXI, frequentemente alinhando-se à Rússia. Em contraste, a França e o Reino Unido cessaram o uso do veto desde 1989, o que pode indicar uma mudança em suas abordagens de política externa ou uma maior alinhamento com o consenso ocidental.
O veto continua a ser a característica mais controversa do CSNU, frequentemente resultando em impasses e inação diante de atrocidades e conflitos que exigem uma resposta global urgente. As crescentes críticas e as propostas de reforma, como o princípio da "responsabilidade de não vetar" e a "iniciativa do veto" da Assembleia Geral, refletem uma busca contínua por maior legitimidade, representatividade e eficácia do Conselho. No entanto, a dificuldade inerente à reforma do veto, dada a necessidade do consenso dos cinco membros permanentes, sugere que o debate e a pressão política continuarão a ser os principais meios para influenciar seu uso no futuro. A tensão fundamental entre os ideais de segurança coletiva da ONU e a realidade dos interesses nacionais das grandes potências permanecerá um desafio central para a governança global nos próximos anos.
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