O Novo PNE e a Geografia da Educação: Uma Análise Crítica do Texto Aprovado
Recentemente, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados deu um passo decisivo para o futuro da educação brasileira ao aprovar o texto-base do novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Para nós, geógrafos e educadores, analisar o PNE não é apenas ler metas pedagógicas; é entender como o Estado planeja gerir o território através do ensino. Afinal, a distribuição de escolas, verbas e qualidade de ensino é um dos maiores indicadores da nossa desigualdade socioespacial.
Mas o que muda com este novo plano e, criticamente falando, ele é viável ou será mais uma "carta de intenções"?
O que é o Plano Nacional de Educação (PNE)?
Antes de entrarmos na crítica, vamos ao conceito. O PNE é uma lei com vigência de 10 anos (decenal). Ele não é uma política de governo (que muda a cada 4 anos), mas uma política de Estado.
O plano estabelece diretrizes, metas e estratégias para a política educacional desde a creche até a pós-graduação. O último PNE expirou em 2024 com a maioria de suas metas não cumpridas. Agora, o Congresso debate o novo plano (PL 2614/2024) que guiará a educação brasileira até 2034.
Os Pilares do Novo Texto Aprovado
O texto aprovado na Comissão traz avanços teóricos importantes e reafirma compromissos históricos. Os pontos centrais giram em torno de três eixos:
Universalização e Ampliação: Foco na educação infantil (creches) e na expansão do ensino em tempo integral (meta de atingir 50% das matrículas públicas).
Valorização Docente: Planos de carreira e equiparação salarial média com outras profissões de mesma escolaridade (um gargalo histórico).
Qualidade e Equidade: Superação das desigualdades educacionais, com foco em alfabetização na idade certa.
Ponto de Atenção: O texto aprovado manteve a espinha dorsal da proposta do Executivo, mas foi palco de disputas ideológicas intensas, especialmente sobre questões de gênero e a militarização de escolas.
A Análise Geográfica: Território e Desigualdade
Aqui entra o nosso olhar da Geografia Escolar. Um plano nacional em um país de dimensões continentais enfrenta o desafio da escala.
1. A Cegueira Regional
O Brasil não é um bloco homogêneo. Aplicar a mesma meta de "expansão de creches" para o interior do Amazonas e para a zona sul de São Paulo exige estratégias logísticas e financeiras completamente diferentes. O novo PNE precisa, na prática, considerar as especificidades regionais — o transporte escolar fluvial no Norte, a seca no Nordeste e a densidade urbana no Sudeste.
2. O Financiamento e o "Arcabouço"
A geografia do dinheiro é clara. O texto reafirma a necessidade de ampliar o investimento para 10% do PIB em educação. No entanto, aqui reside a crítica mais dura: como alinhar essa meta com o atual Arcabouço Fiscal?
Sem um mecanismo claro de financiamento (como o Custo Aluno-Qualidade - CAQ) que obrigue a União a complementar verbas de municípios pobres, o PNE corre o risco de perpetuar a desigualdade territorial. Municípios ricos continuarão tendo escolas ricas; municípios pobres, escolas precárias.
3. Demografia é Destino?
A transição demográfica brasileira está avançada. Em muitas regiões, a natalidade caiu drasticamente. O desafio geográfico dos próximos 10 anos não será apenas construir novas escolas (quantidade), mas reformar a infraestrutura existente e focar em tecnologia e permanência (qualidade). O PNE aborda isso, mas a execução dependerá de um censo escolar ágil.
Visão Crítica: O Risco da "Letra Morta"
Ao analisarmos o texto aprovado pela Comissão, percebemos uma tensão entre o ideal e o real.
Educação Integral vs. Estrutura: A meta de ensino integral é louvável, mas geograficamente complexa. Escolas periféricas muitas vezes não têm espaço físico para duplicar a carga horária de todos os alunos. Sem investimento maciço em infraestrutura (obras), a meta será apenas um número no papel ou resultará em "depósitos de alunos".
O Setor Privado: Há uma disputa silenciosa sobre o quanto do orçamento público poderá ser drenado para o setor privado (vouchers, parcerias). Para a escola pública se fortalecer, o recurso deve ser direcionado para a rede pública.
Ensino a Distância (EAD): O plano precisa ser rígido na regulação do EAD, especialmente na formação de professores. A "uberização" da licenciatura, com cursos de baixa qualidade, afeta diretamente a sala de aula da educação básica.
O novo PNE aprovado na Comissão é um documento robusto em intenções, buscando corrigir rotas do plano anterior. Contudo, para a Geografia, fica o alerta: não existe justiça social sem justiça territorial.
Se o financiamento não for garantido e blindado de cortes fiscais, e se as especificidades de cada rincão deste país não forem respeitadas, teremos mais uma década de um Brasil educacionalmente fragmentado.
Como professores de Geografia, nosso papel é fiscalizar e cobrar para que o mapa da educação brasileira deixe de coincidir tão perfeitamente com o mapa da exclusão social.
E você, professor(a)? Como vê a realidade da sua escola frente às metas do novo PNE? Deixe seu comentário abaixo!


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