O Paradoxo da Superpotência: PIB de R$ 162 Trilhões e a Crise dos 770 Mil Sem-Teto

​A recente notícia de que os Estados Unidos — detentores do maior PIB do mundo, estimado em cerca de R$ 162 trilhões (aprox. US$ 30 trilhões) — atingiram o recorde de 770 mil pessoas em situação de rua em 2024 levanta um debate central para a Geografia Econômica e Urbana: a distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento social.

​Os dados revelam uma crise humanitária interna. Para entender como a nação mais rica do planeta abriga uma população de sem-tetos equivalente a uma cidade de médio porte inteira, precisamos ampliar a análise com dados estruturais e reflexões críticas.

​1. A Riqueza é Concentrada, a Pobreza é Distribuída

​O PIB per capita é uma métrica de "média", que esconde abismos sociais. Enquanto o país ostenta números trilionários:

  • Desigualdade Extrema: Os 10% mais ricos nos EUA capturam cerca de 47% de toda a renda nacional, um índice muito superior à média da Europa (aprox. 36%).
  • Concentração de Riqueza: O 1% mais rico detém cerca de 30% de toda a riqueza líquida do país, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas cerca de 2,5%.
  • Índice de Gini: Com um Gini próximo de 0,48 (quanto mais perto de 1, maior a desigualdade), os EUA são significativamente mais desiguais que outras economias desenvolvidas do G7.

​2. O Fenômeno dos "Working Poor" (Trabalhadores Pobres)

​Escassez de moradias e a disparidade entre salários e aluguel. Isso ilustra o conceito geográfico de segregação socioespacial e o fenômeno dos working poor.

Diferente do senso comum que associa a situação de rua apenas ao desemprego ou dependência química, milhões de americanos trabalham (muitas vezes em múltiplos empregos precários), mas ainda assim não conseguem custear a moradia. Com um déficit de moradias populares (apenas 35 disponíveis para cada 100 famílias de baixa renda), o espaço urbano torna-se uma mercadoria inacessível, empurrando famílias inteiras e mais de 150 mil crianças para abrigos ou ruas.

​3. Modelos de Gestão: Punição vs. Acolhimento

​Medidas de criminalização, prisões e remoção forçada de acampamentos — reflete uma abordagem de "limpeza urbana" e aporofobia (aversão aos pobres), tratando uma falha estrutural (falta de casas) como um problema de ordem pública.

​Em contraste, é fundamental observar o modelo da Finlândia, o único país da UE onde a população de rua está diminuindo. Através da política "Housing First" (Moradia Primeiro), o Estado fornece um apartamento permanente sem pré-condições (como estar sóbrio ou empregado). A lógica finlandesa, validada por dados, é que é mais barato e eficaz resolver os problemas sociais (saúde, emprego) depois que o indivíduo tem estabilidade habitacional, ao invés de usar a moradia como "recompensa" final.

​Reflexão Crítica para a Sala de Aula

​O caso dos EUA nos ensina que um PIB elevado garante poder geopolítico e militar, mas não imunidade contra o colapso do tecido social. A geografia da riqueza não é apenas sobre quanto um país produz, mas sobre como ele distribui essa produção e como organiza seu território.

  • Pergunta para debate: É possível considerar um país "desenvolvido" quando o acesso ao abrigo básico é negado a quase um milhão de seus cidadãos, apesar de uma economia de trilhões?

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